Arquivo para junho \10\+00:00 2008

Teorias da recepção e práticas de planejamento

Quando se falava de comunicação, bem comecinho, em tempos de Adorno, Horkheimer, Morin, e cia, pensava-se no processo comunicacional como um esquema bélico massivo, no qual existem as pessoas que atiram, as ferramentas com as quais atiram e os alvos: os públicos-alvo. Alvo mesmo, no estrito sentido de bala, onde atira quem manda, e obedece que tem ouvido. Com a evolução do mundo, as coisas foram ficando menos quadradas, e já se sabia empiricamente que meio, mensagem e receptor eram coisas a se levar mais em conta, para bem além do emissor.

E hoje nos calhe falar de recepção. Os estudos lingüísticos começaram nessa veia, especificamente, quando começavam a analisar obras literárias a partir do ponto de vista do leitor, com um conceito inicial chamado de leitor ideal. O leitor ideal era uma concepção sobre quem deveria estar lendo determinado romance, e que repertório essa pessoa teria para poder compreender tim-tim por tim-tim o texto. Aí veio a teoria dos Usos e Gratificações, com a idéia de troca de interesses na própria mensagem, a teoria da Codificação e Decodificação, com a questão de negociar o entendimento da mensagem a partir das relações de poder do contexto de quem fala e de quem responde. Por fim – e a mais interessante de todas na minha opinião – veio a noção de Recodificação, que implica codificação e decodificação partes um mesmo processo, ininterrupto e cíclico.

Tem até uns autores mais sem noção – ou talvez visionários – que já falam que o processo de comunicação é a recepção pura, como decorrência da aplicação do conceito de recodificação. Não adianta falar, se o receptor não entender, sacou? É mais ou menos por aí que a noção atual de comunicação está sendo (re)construída. E o melhor disso é entender o receptor como centro de análise. Na publicidade, vemos que esse aumento da importância dos departamentos de planejamento nas agências não é à toa. Entender o consumidor nunca foi tão importante; principalmente, porque é hoje ele quem dita as regras do jogo. A quebra dos modelos das mídias poderosas, a consolidação da internet, aquele blá-blá-blá digital, e tudo mais, deram ao nosso consumidor o cacife da escolha; melhor ainda, o cacife para organizar o que ele quer receber!

Os estudos atuais de recepção estão bem atrelados à sociologia, à antropologia e à lingüística. Chegamos ao momento em que vale mais observar o consumidor passear pelo parque que ver seu comportamento por entre as gôndolas. Como a recepção, o ato de consumo – já puxando para o Jean Baudrillard e sua concepção de consumo – se concretiza no fazer do dia-a-dia, e não na relação de compra e venda. Os objetos que consumimos nada mais passam de sombras de nossos relacionamentos com as pessoas com quem nos importamos. E por meio deles, estaríamos perpetuando nosso significados relacionados ao nosso ideal de vida. Recepção é consumo, e consumo é relacionamento. A publicidade seria o relacionamento do relacionamento. É como se, antes mesmo de experienciar os próprios objetos, criássemos uma fantasia que impregna os objetos que consumimos. Mas essa marofa toda do Baudrillard já pode ser questionada hoje em dia. Essa fantasia preconizada por ele já pode se chamar de resquício de cotidiano.

A publicidade – a boa, a pesquisada, a planejada, a relevante, a bem trabalhada – hoje em dia só se faz com o consumidor do lado. Do lado, como alguém que participa de um bate-papo sobre o que gosta de ouvir, mas só vai realmente se surpreender quando ouvir algo além do que ele esperava. Ou seja, o consumidor como parte do processo criativo, fornecendo para o resto dos criadores da mensagem os mecanismos de significação que mais importam, e que podem servir de chave para o sucesso de uma campanha. Para poder trabalhar todo esse lance de como fazer o consumo e a recepção publicitária parte intrínseca do cotidiano do consumidor-receptor, já trabalhamos com ele do nosso lado, sendo Input e Output do mesmo processo, e ao mesmo tempo. Decodificando e codificando. Entender a recepção – o consumidor – de um modo mais puro é saber que entender e falar são a mesma coisa, em momentos diferentes.

Rafael Lavor