Arquivo para abril \01\+00:00 2009

Virtualize-se, ou serás virtualizado.

Falar em mudanças é fácil. A internet não se cansa de provar que todos estamos sempre defasados e movimentos mundiais ocorrem num piscar de olhos, seja uma crise econômica ascendendo ou uma nova rede social bombando. Aconteça o que acontecer nos tempos atuais, estamos todos vivendo uma ruptura gigantesca nas virtualizações que moldaram o ser humano. O problema é que poucos abordam o que há por trás dessa velocidade das conurbações digitais, da massificação do acesso à web e da premiação de “qualquer-zé-mané” em tempos hipermidiáticos. Recuperando Pierre Lévy, tô falando da técnica, da linguagem e do contrato: as essências da dinâmica do homem atual – e como elas tão mudando.

A questão da técnica está associada ao cerne digital de nosso mundinho de hoje. Enquanto muitos participam, poucos fazem, produzem, rearranjam. O poder está na mão de quem vota e veta, e não de quem sugere. Em 2001 – Uma Odisséia no Espaço, quem é o macho-alfa: aquele que só grita ou o que bate com o osso? E como o osso-ferramenta molda o comportamento do macacão? E como esse primata incorpora esse novo alongamento do seu braço? Como isso cria um novo padrão dentre seu grupo?

Na população de uma rede como o Orkut, por exemplo, quantas pessoas realmente entendem esse site como ferramenta? Quantos conseguem se aproveitar dessa ferramenta? E quantos conseguem bolar aplicativos para o Orkut? Nem me fale em democracia digital, ou em conhecimento coletivo. Gerar conteúdo por conteúdo, até o Akinator funciona bem – umas base de dados fácil e auto-sustentável na medida em que a mediocridade humana a alimenta. O ponto aqui é: participar e interagir é bem diferente de produzir e criar.

As línguas de programação digital acabam se tornando um novo latim, um novo grego, um novo francês, uma língua que circula por entre os escribas da web, canônes desse novo mundo digital. E só eles podem decifrar – e moldar – os parâmetros do ambiente digital. Ficamos reféns dessa nova técnica, do fazer digital. Melhor, ficamos reféns de quem controla essas linguagens, e de suas traduções ao mundano círculo dos meros mortais: busca no Google, email grátis, Orkut, Twitter, MSN, Facebook, Amazon, YouTube, e nunca acaba nem fica pouco. É fácil pensar assim hoje, na nossa condição de submisso, porque já evoluímos a uma etapa em que é quase inimaginável voltar-se ao mundo completamente offline.

A técnica atual cria novos poderosos, novas classes, novos ambientes de circulação. Favorece aos que a dominam e escravizam aos que a renegam. É muito fácil enxergar como nossos níveis de entendimento dessas técnicas, que permeiam toda nossa rede global (sócio-político-economicamente), naturalmente nos recolocam em novas posições de sociabilidade. A pirâmide mudou porque não existem mais degraus, não existe mais topo ou base. A pirâmide virou rede, e a rede é mais forte no ponto mais denso, no ponto que concentra mais conexões.

Já fui criticado por esse tipo de discussão (sobre como a internet molda novos padrões de conhecimento), principalmente porque ela não fala “da real população brasileira, do público da classe C, D e E, de gente verdade”. Bom, tudo passa por um processo top-down, até a água encanada. O que é sopro hoje, amanhã é furacão.

Depois falo das mudanças nas virtualizações de contrato e de linguagem. Em breve, juro.

Rafael Lavor