Umas das coisas mais nojentinhas que permeia a publicidade, e todos vão ter de convir comigo, é o ímpeto de se utilizar o famoso marquetês no dia-a-dia. Do atendimento à criação, do cliente à produtora, cada setor se arma a sua maneira com termos americanizados, valiosos e pomposos, que se expressam quase sempre com vigor austero e peremptório a quem está sendo sujeitado. Tudo bem, vivemos num mundo onde a atual língua veicular é o inglês (onde já foi o francês e quem sabe será o mandarim), e estamos absortos em neologismos desnecessários e apropriações tortas que tornam nosso contato com o mundo globalizado mais fácil, por assim dizer. Entretanto, isso não significa que devemos nos capitular tão facilmente.
O marquetês pode até se configurar como uma sub-língua, recheada de neologismos e estruturas sintáticas remendadas, presente e atuante num nível sócio-lingüístico mais elevado, como na publicidade. Talvez um lingüísta moderninho avant garde afirme isso com veemência, e me tache de antiquado, conservador, e até desligado do que rola por aí. Mas, dessa vez, tentarei provar o que defendo.
O processo de aprendizado da língua, como, por exemplo, a língua natal de cada um, se dá por um mecanismo semiótico muito simples: o de associação e fixação de significados e significantes. Os significantes, de maneira simplificada, são as palavras que escrevemos ou falamos e que servem de âncora cognitiva na nossa mente, e nos ajudam a organizar nossos pensamentos em palavras. Os nossos pensamentos e percepções seriam os significados. E o contexto do aprendizado é quem define quais significados e significantes uma pessoas aprende, e quando digo contexto me refiro à vida de cada um. Num certo contexto, você pode aprender o inglês, e num outro, o português. Beleza?
Quando você precisa aprender outra língua, como num cursinho, você é tentando a não traduzir nada e sempre entender as coisas pelo seu contexto. Lembra porque os professores de cursinho sempre tentam fazer macacadas para explicar o que é monkey? Pois é. E no decorrer da coisa, você começa a formar um outro código, a fabricar uma outra gavetinha na sua mente, a aprender uma outra língua, que possui um sistema sintático e morfológico diferente, e que precisa de um contexto para esse código ser aprendido e utilizado. Tudo certo?
E depois de crescidos e encantados com o mundo da publicidade, passamos a ver nas aulas da faculdade, no emprego e nas próprias conversas com a galera do ramo a presença truncada do inglês com o português, o que, supostamente, serve para nos entendermos mais facilmente. Porém, e aqui mora o maior porém de todos, o entendimento não fica facilitado, muito pelo contrário. A necessidade de se recuperar dois códigos numa mesma construção, seja para compô-la ou entendê-la, bagunça nossos paradigmas de compreensão de ambos códigos, o que leva a criação do marquetês, um terceiro código, indeciso, nebuloso e intermediário. Mas não seria mais simples se nós pudéssemos ignorar o marquetês? Vou dar um exemplo, que montei através de coisas que vi e escutei no meu trabalho. Depois vou passar o exemplo para inglês e português.
- A idéia é transformá-la na top of the pop, e não na top do top. Se a gente fizer um wrap up dos nossos insights, veremos que nosso target não é trendsetter, mas também não é loser. É, tipo, mainstream. O lance aqui é trabalhar o share of mind dessa galera e se focar nos opinion leaders ligados a eles. Lembrando que o mood da apresentação tem que ser light e que precisa ter um flow consistente para chegar na brand idea.
- The idea is to make it top of the pop, and not top of the top. If we wrap our insights up, we notice that our target is not trendsetter, neither loser. It is kind of mainstream. The thing here is work up the share of mind of these guys and focus on the opinion leaders connected to them. Reminding that the presentation mood got to be light and that it needs a consistent flow to get to the brand idea.
- A idéia é transformá-la na melhor das populares, e não na melhor das melhores. Se a gente resumir nossas deduções, veremos que nosso público-alvo não faz tendência, mas também não é fracassado. É, tipo, a maioria regular. O lance aqui é trabalhar o nível de lembrança dessa galera e se focar nos formadores de opiniões ligados a eles. Lembrando que o clima da apresentação tem que ser leve e que precisa de uma seqüência consistente para chegar na idéia principal da marca.
Agora, não é mais fácil entender o inglês e o português do que o marquetês? Sério mesmo! Você só precisa de um código para colocar isso na sua cabecinha. Claro que estou sendo simplista e que isso envolve outras questões mais profundas, como o nível de imersividade do contexto de cada um nas línguas ou os processos de aprendizado social da língua, mas o argumento que coloquei aqui é básico e essencial. O cerne dessa bagulhada toda deixa claro que a gente insiste em complicar coisas descomplicadas. Tudo isso, talvez, para se fazer pomposo, estiloso e entendido. Manter um padrão de nossa língua em nós mesmos deixa tudo simples, constante e compreensível.
Não sou o primeiro a admitir isso, mas no mundo que vivemos temos que ser claros e diretos.
Parem com o marquetês, por favor. Cut the crap. Keep it simple. Sacaram?
Rafael Lavor