Arquivo para março \27\+00:00 2008

E que tal Adverticidade?

Umas das coisas mais nojentinhas que permeia a publicidade, e todos vão ter de convir comigo, é o ímpeto de se utilizar o famoso marquetês no dia-a-dia. Do atendimento à criação, do cliente à produtora, cada setor se arma a sua maneira com termos americanizados, valiosos e pomposos, que se expressam quase sempre com vigor austero e peremptório a quem está sendo sujeitado. Tudo bem, vivemos num mundo onde a atual língua veicular é o inglês (onde já foi o francês e quem sabe será o mandarim), e estamos absortos em neologismos desnecessários e apropriações tortas que tornam nosso contato com o mundo globalizado mais fácil, por assim dizer. Entretanto, isso não significa que devemos nos capitular tão facilmente.

O marquetês pode até se configurar como uma sub-língua, recheada de neologismos e estruturas sintáticas remendadas, presente e atuante num nível sócio-lingüístico mais elevado, como na publicidade. Talvez um lingüísta moderninho avant garde afirme isso com veemência, e me tache de antiquado, conservador, e até desligado do que rola por aí. Mas, dessa vez, tentarei provar o que defendo.

O processo de aprendizado da língua, como, por exemplo, a língua natal de cada um, se dá por um mecanismo semiótico muito simples: o de associação e fixação de significados e significantes. Os significantes, de maneira simplificada, são as palavras que escrevemos ou falamos e que servem de âncora cognitiva na nossa mente, e nos ajudam a organizar nossos pensamentos em palavras. Os nossos pensamentos e percepções seriam os significados. E o contexto do aprendizado é quem define quais significados e significantes uma pessoas aprende, e quando digo contexto me refiro à vida de cada um. Num certo contexto, você pode aprender o inglês, e num outro, o português. Beleza?

Quando você precisa aprender outra língua, como num cursinho, você é tentando a não traduzir nada e sempre entender as coisas pelo seu contexto. Lembra porque os professores de cursinho sempre tentam fazer macacadas para explicar o que é monkey? Pois é. E no decorrer da coisa, você começa a formar um outro código, a fabricar uma outra gavetinha na sua mente, a aprender uma outra língua, que possui um sistema sintático e morfológico diferente, e que precisa de um contexto para esse código ser aprendido e utilizado. Tudo certo?

E depois de crescidos e encantados com o mundo da publicidade, passamos a ver nas aulas da faculdade, no emprego e nas próprias conversas com a galera do ramo a presença truncada do inglês com o português, o que, supostamente, serve para nos entendermos mais facilmente. Porém, e aqui mora o maior porém de todos, o entendimento não fica facilitado, muito pelo contrário. A necessidade de se recuperar dois códigos numa mesma construção, seja para compô-la ou entendê-la, bagunça nossos paradigmas de compreensão de ambos códigos, o que leva a criação do marquetês, um terceiro código, indeciso, nebuloso e intermediário. Mas não seria mais simples se nós pudéssemos ignorar o marquetês? Vou dar um exemplo, que montei através de coisas que vi e escutei no meu trabalho. Depois vou passar o exemplo para inglês e português.

  1. A idéia é transformá-la na top of the pop, e não na top do top. Se a gente fizer um wrap up dos nossos insights, veremos que nosso target não é trendsetter, mas também não é loser. É, tipo, mainstream. O lance aqui é trabalhar o share of mind dessa galera e se focar nos opinion leaders ligados a eles. Lembrando que o mood da apresentação tem que ser light e que precisa ter um flow consistente para chegar na brand idea.
  2. The idea is to make it top of the pop, and not top of the top. If we wrap our insights up, we notice that our target is not trendsetter, neither loser. It is kind of mainstream. The thing here is work up the share of mind of these guys and focus on the opinion leaders connected to them. Reminding that the presentation mood got to be light and that it needs a consistent flow to get to the brand idea.
  3. A idéia é transformá-la na melhor das populares, e não na melhor das melhores. Se a gente resumir nossas deduções, veremos que nosso público-alvo não faz tendência, mas também não é fracassado. É, tipo, a maioria regular. O lance aqui é trabalhar o nível de lembrança dessa galera e se focar nos formadores de opiniões ligados a eles. Lembrando que o clima da apresentação tem que ser leve e que precisa de uma seqüência consistente para chegar na idéia principal da marca.

Agora, não é mais fácil entender o inglês e o português do que o marquetês? Sério mesmo! Você só precisa de um código para colocar isso na sua cabecinha. Claro que estou sendo simplista e que isso envolve outras questões mais profundas, como o nível de imersividade do contexto de cada um nas línguas ou os processos de aprendizado social da língua, mas o argumento que coloquei aqui é básico e essencial. O cerne dessa bagulhada toda deixa claro que a gente insiste em complicar coisas descomplicadas. Tudo isso, talvez, para se fazer pomposo, estiloso e entendido. Manter um padrão de nossa língua em nós mesmos deixa tudo simples, constante e compreensível.

Não sou o primeiro a admitir isso, mas no mundo que vivemos temos que ser claros e diretos.

Parem com o marquetês, por favor. Cut the crap. Keep it simple. Sacaram?

Rafael Lavor

Agenda Setting e buzz

O Agenda Setting é um daqueles temas que se perdem entre a teoria da faculdade e a correria do trabalho no mercado. Retomando a teoria, McCombs diz que a mídia determina sobre quais assuntos o público discutirá em seu cotidiano por meio seleção de conteúdo. Pela abordagem escolhida na sua programação, a mídia também determina a maneira como as pessoas vão discutir os assuntos. Pode-se abordar o mesmo tema de maneiras muitos diferentes, tudo depende de como queremos que as pessoas pensem o assunto.

Zucker escreveu sua teoria sobre o tema do agendamento. A idéia central é simples: quanto menos o tema está presente na vida das pessoas, mais elas dependem da mídia para se informarem sobre ele e o interpretarem. Quanto mais elas conhecem sobre determinado assuntos, tornam-se menos dependentes do mídos lhes fala. Os temas com os quais as pessoas têm mais experiência foram chamados de obtrusive e os que são estranhos a elas, non-obtrusive. Sua conclusão é que os temas obstruive (+ experiência) têm pouco agendamento, enquanto os non-obtrusive são muito agendados. Os temas familiares para as pessoas não viram boca-a-boca.

Minha proposta aqui é extrapolar essa idéia de agendamento para o formato e conteúdo das mídias. Fazendo uma associação simples, podemos dizer que o formato tradicional das mídias (30’’ e outdoor comum) é obtrusive para as pessoas. Não geram boca-a-boca. Já os formatos inovadores de mídia são non-obtrusive e geram buzz porque causam estranhamento. A diferença é que o tema não é agendado porque somos dependentes daquela mídia, mas porque elas nos surpreendem.

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Formato Tradicional

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Formato Inovador

Bom, fica a idéia desta associação com fundo nem um pouco científico.

Diego Senise

Brincadeira de adulto

“Escuta essa… tava esperando minha comida chegar lá no Viena com meu namorado. A gente tava sem ter o que fazer e começamos a desenhar com giz de cera naqueles pepéis. Daí a gente lembrou de um amigo nosso que é meio louco, e começamos a desenhar ele de um monte de jeito diferente. Foi engraçado pra caramba. Tiramos fotos com o celular, e depois vamos mostrar para ele. Ele vai ficar puto!”

Essa foi a história que a Vanessa lá da CO.R me contou esses dias, e que me inspirou a escrever este post.

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Bom, as palavras em negrito resumem a estratégia simples do Viena, e que gera muitos resultados – como essa própria história que foi contada para mim. O que mais quer uma marca senão que seus clientes saiam falando espontaneamente sobre sua experiência com ela?

Esperar a comida do restaurante é aquela hora em que você nem está escolhendo, nem está comendo. Se você não estiver no clima para conversar com a pessoa que te acompanha, aquele torna-se um momento de não-fazer-nada. Nesses momentos é que nos tornamos mais vulneráveis à comunicação das marcas, ou a qualquer coisa que nos entretenha. No caso do Viena, o simples giz e papel foram o elemento que possibilitaram uma experiência de marca diferenciada. Para completar, a experiência não se restringiu só ao momento. Ela vai se prolongar quando eles forem mostrar as fotos do desenho, quando a colocarem na internet etc.

O legal é tentar perceber que, até nesses causos banais do dia-a-dia, o sucesso de uma marca quando as pessoas misturam suas história pessoais com as histórias delas com a marca.

Esse último trecho é uma paráfrase deliberadamente chupinhada do Dr. Bob Deutsch, antropólogo que participou da última conferência de planejamento. Para ele, “marca é a fusão metafórica entre as histórias que as pessoas têm de um produto e suas próprias histórias.”

Valeu pela dica do Bob, Felipe.

Adventures Of An Adverting Woman

Cayce Pollard é uma lenda nos bastidores da publicidade internacional. Trabalha como free-lancer para redes mundias de agências, incluindo as pomposas butiques internacionais de design. Ela vive em Nova Iorque, mas atualmente está em Londres realizando uma consultoria para a Blue Ant, a chamado do próprio chefão da agência. Seu dom para logomarcas, na verdade, vem de um tipo de alergia-fobia que ela desenvolveu aos seis anos de idade. Ela não tolera qualquer tipo de produto que tenha marca registrada entre 1945 e 2000, o que leva ela a apagar todos os traços de marcas de suas próprias roupas. Contratada apenas para dar seu aval de especialista na elaboração de uma logomarca feita pela H&S, Cayce acaba sendo chamada pela Blue Ant, por debaixo dos panos, para descobrir a origem da maior e mais bem sucedida campanha viral que o mundo já viu.

Ah, Cayce é uma personagem de ficção.

Criada por William Gibson, Cayce Pollard é uma publicitária que caça tendências ao redor do mundo e as transforma em negócios para seus clientes. Seu trabalho, como ela mesmo descreve no livro, se trata de Reconhecimento de Padrões, definição que intitula o próprio livro (Pattern Recognition, o original). Para quem não conhece o autor, ele escreve livros sobre cibercultura (que é o que é por causa dele), futuro e ficção científica, e Matrix só veio depois de 25 anos que ele lançou seu primeiro livro (se você achou Matrix interessante, leia Neuromancer, Count-Zero e Monalisa Overdrive).

 

Apesar de falar do presente não ser a especialidade do autor, os caminhos percorridos por Cayce são muito instigantes, e nos levam a pensar que o futuro é agora, esteja você em Nova Iorque, Londres, Tóquio ou Moscou. Sempre relatando os ambientes de maneira extremamente descritiva, Gibson mostra, com exímio, um panorama do mundo simbólico em que vivemos hoje. Afinal, não preciso saber nada de você além das marcas que você usa. E é assim que Cayce enxerga seu redor. A exacerbação da presença das marcas em seu redor e sua hipersensibilidade aos estímulos de branding a levam, inclusive, a momentos cômicos, como uma grave crise alérgica desencadeada por displays promocionais cafonas da Tommy Hilfiger no meio de uma loja de departamentos.

O melhor do livro, além da singular sensibilidade a marcas da personagem principal, é a caça pelo “filme”. Nada mais do que uma obra inacabada de um filme que tem pedaços revelados de tempos em tempos, e que ninguém sabe quem é o autor, de onde vêm os trechos do filme ou em qual época o filme se passa. O “filme” gerou tanta repercussão que se criaram infinitas comunidades virtuais dedicadas a discutir teorias sobre o filme, além de se tornar a coisa cult mais celebrada no mundo atual. Ou como melhor definiu o presidente da Blue Ant, Hubertus Bigend, a mais bem sucedida campanha de marketing viral que já existiu, e não fui eu quem fez.

Pra quem quer esquecer um pouco a leitura superficial que a publicidade exige, e não sair do carrossel, vai aí um romance que vale a pena.

Rafael Lavor

P.S.: Agradecimentos ao cabiludo, pela indicação do livro e por ter cortado o cabelo!